sábado, 20 de dezembro de 2008


O Maio de 68 continua a ser no nosso imaginário histórico a epítome e maior símbolo de sublevação social de massas espontânea, capaz de quebrar o status quo político e de valores de uma sociedade inteira na qual lemas como «Sejam realistas. Peçam o Impossível” foram parte integrante do leque de contestações na altura. A França da altura observou uma revolução romântica, de emancipação individual, conceitos como «revolução sexual» e a banalização da palavra «liberdade» para tudo e mais qualquer coisa e o restringir do conceito de «igualdade» em apenas alguns contextos de natureza irrelevante nasceram no Maio de 68.
Foi a morte da verdadeira esquerda, da substituição da luta de classes pelas manifestações inconsequentes por direitos e liberdades que não impedem ninguém de cair na falência, na fome, na deseducação e na condição de sem-abrigo.

O sindicalismo, o comunismo e o anarquismo de espírito revolucionário na Europa esfumaram-se nos valores superficiais de um romantismo político, mas ineficiente e sem orientação, e à consequente comercialização dos ideais (?) de 68.

Hoje os tempos são outros, desde a hiper-sexualização de tudo o que mexe ao uso e abuso da palavra «liberdade» para fundamentar todos os comportamentos e todas as políticas que, invariavelmente, trazem mais prejuízo às populações que benefícios ou pedidos de «igualdade» perante a lei e a sociedade em assuntos que não vão além do tabu. O Ocidente moderno é fruto do Maio de 68, dos seus lemas confusos, dos seus ideais naïve, das suas manifestações festivas e do seu romantismo sem limites.

A sociedade despreocupada, viciada no entretenimento e iludida pelos estereótipos do glamour beau-vivant foram gerados dos comportamentos “rebeldes” nos anos 60, 70 e 80 e agora são comummente adoptados como lugares-comuns da prática social.

A sexualização de cada acto, imagem ou palavra, a utilização da liberdade para legitimar qualquer acto que vá contra o colectivo ou para celebrar uma “democracia” que mais nada faz que eleger líderes de 4 em 4 anos, a proibição de acesso à igualdade nos termos da exclusão social, dos direitos sociais e relações laborais mas a sua banalização e mediatização em assuntos menores desvirtua por completo o carácter revolucionário de uma verdadeira democracia, onde os cidadãos possam ter uma voz activa na construção e discussão pública da sua comunidade, na qual os trabalhadores vivem num ambiente de dignidade e têm direito a dizer de sua justiça relativamente ao rumo que o seu local de trabalho está a tomar, uma sociedade onde todas as gerações têm uma perspectiva de vida digna e realmente livre e liberta dos artifícios que uma sociedade de consumo comporta.

E apesar da ilusão generalizada e da repressão imediata a qualquer comportamento e activismo fora dos «clichés» propagados pela sociedade nascida do Maio de 68 ainda existe quem descubra por si, ao observar o panorama social, o verdadeiro sentido da democracia, do seu inerente impulso de partilhar a discussão política da nação e da comunidade entre todos, discussão essa que vai muito além do representativismo mas que abarca uma vontade de diálogo entre a população. Ainda há quem se aperceba do enorme erro que a geração do Maio de 68 cometeu ao abrir as portas ao capitalismo, imaginando-o de rosto humano e embandeirando infâmias e confundindo-as com liberdade. É a desilusão que toma o ânimo das populações jovens e dos trabalhadores, condenados a uma vida de incerteza minada pela precariedade, enquanto uma minoria se aproveita do fruto do seu trabalho e das condições inseguras que enfrentam todos os dias.

Desde os serviços públicos e monumentos históricos privatizados, a ofertas de lugares no governo aos CEO’s e à liderança das multinacionais por ex-funcionários públicos, à invasão da publicidade em todos os espaços a todo o momento, à legitimação da opressão dentro do mercado de trabalho e no espaço social, ao crescimento de desigualdades e injustiças insanáveis e a perda do sentido de humanidade dentro de uma sociedade que se fundou sobre falsas premissas de liberdade, igualdade e revolução levem as populações de um «Sejam realistas. Peçam o impossível» para um trágico e desesperado grito «Devolvam-nos a nossa vida».

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