sexta-feira, 30 de janeiro de 2009


Enquanto os senhores do mundo reúnem-se para discutir o que deve mudar para que tudo fique na mesma, a nível global o cidadão comum enfrenta um mercado de trabalho cada vez mais escasso e precário, as reacções das populações a esta situação (mais uma crise, mais uma "regeneração" do capitalismo) atingem em alguns casos formas preocupantes, misturando o que é de direito para o trabalhador e o cidadão contestarem e ódios que não tocam no cerne do problema que fustiga a condição de vida dos povos.

Uma marcha pacífica dos trabalhadores em Inglaterra a 30 de Janeiro espelhou essa angústia do indivíduo comum que se transforma num medo que o leva a erguer bandeiras perigosas. A indignação da classe trabalhadora britânica resulta da contínua política de emprego das empresas privadas: mão-de-obra barata, sem direitos e com vínculos contratuais que os deixa numa situação de fragilidade iminente para com o empregador.

Esta mão-de-obra é quase sempre estrangeira, vindos da Polónia, Itália ou Portugal, aceitam os salários mal pagos e as inexistentes condições de trabalho porque a Magia do Mercado não resultou nos seus países de origem e acabam, segundo os manifestantes, por emigrar para o Reino Unido para roubar os empregos aos locais, os britânicos.

A xenofobia como causa não irá resultar para ninguém e torna-se um ameaçador catalisador das vontades comuns para uma luta que trará mais prejuízo a ambas as partes que benefícios, sem que os verdadeiros culpados desta situação conheçam o destino que merecem às mãos dos povos.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009


Ainda que tenha escapado à imprensa, demasiado ocupada a espalhar os clichés habituais sobre capitalismo e socialismo, que o primeiro é a única alternativa e que o segundo é uma experiência falhada, dando exemplos de países destruídos e devastados por acções das potências capitalistas, o dia 18 de Janeiro é uma efeméride que como Álvaro Cunhal disse, escrita «com lágrimas e sangue».

Foi um dia em que vários pontos do país (Lisboa, Coimbra, Leiria, Barreiro, Almada, Martingança, Silves, Sines, Vila Boim (Elvas), Algoz-Tunes-Funcheira e na Marinha Grande) ousaram um mundo novo em Portugal, um dia que começando numa aurora vermelha poderia terminar com o odioso período do fascismo no nosso país, após este ter proclamado o Estatuto do Trabalho Nacional e a Nacionalização dos Sindicatos, que condenavam os trabalhadores a uma opressão ainda mais profunda pelas mãos do patronato e do Estado oligárquico e à impossibilidade de formarem sindicatos livres.

O movimento operário português, inspirado pelos sucessos da revolução russa de 7 de Novembro de 1917, pegou nas suas mãos o destino do país e sonhou com algo melhor, um país mais igual, mais justo, mais livre, livre da burguesia e do Estado que não representava os interesses da população mas apenas os de uma elite que não teve pejo em ajoelhar e oprimir os portugueses de acordo com os seus caprichos.
Foi uma data na qual participaram comunistas e anarco-sindicalistas, juntos em prol de um verdadeiro portugal revolucionário, tomaram conta da Marinha Grande e proclamaram a Soviete da Marinha. Um sonho. Um sonho que infelizmente sobreviveu por pouco tempo e que não demorou a ser rechaçado por artilharia militar.

Numa altura em que o fascismo é branqueado e retratado com um certo glamour que tem tanto de revanchista como de nostálgico, é urgente lembrar à população portuguesa actual o espírito de luta que já viveu em gerações anteriores. É altura de relembrar que o fascismo existiu e oprimiu a classe trabalhadora, numa altura em que figuras autoritárias do neoliberalismo são rebaptizadas com cultos de personalidade patrocinados pelos Media e que o activismo sindical é diabolizado de modo a retirar qualquer recurso de defesa dos direitos do trabalhador por mais dignidade, liberdade e igualdade no local de trabalho, importa trazer de volta ao imaginário colectivo nacional o que aconteceu a 18 de Janeiro de 1934.

O 18 de Janeiro existiu e é uma data marcada a ouro, lágrimas e sangue na história do nosso país.

VIVA O 18 DE JANEIRO DE 1934! VIVA A LUTA DA CLASSE TRABALHADORA!

sábado, 17 de janeiro de 2009


«Centros Comerciais

Já experimentou dar um grito num centro comercial? Ou simplesmente, do alto da escada rolante, chamar alguém conhecudo que viu a passar no andar de baixo? Experimente. Não. Eu sei que não vai fazê-lo. Prefere usar o telemóvel. O que aconteceria se desse um grito? Ou se começasse a cantar? Ou a dançar, ou a tocar guitarra? Ou apenas a guitarra? Ou apenas a correr? Ou, pior ainda, se fizesse alguma destas coisas em conjunto, com um grupo de amigos? Não sabemos o que aconteceria, mas não temos vontade de experimentar. Ninguém tem.

Na rua, há sempre um maluco a fazer algo inesperado. No centro comercial, não. Já reparou que não há bêbados num centro comercial? Nem pedintes? Quantas vezes viu, num centro comercial, uma cigana romena a abordar os transeuntes, com um bebé ao colo? Quantas vezes, passou nas esquinas do shopping center, por um cego a tocar acordeão e a pedir moedas na cestinha que o caniche segura nos dentes? Ou doentes a expor as suas deformidades, toxicodependentes a pedir um euro para carregar as compras, prostitutas nas esquinas, ladrões por arrastão, artistas a vender aguarelas daquela esquina pitoresca entre a Zara e a Body Shop...Já viu algum homem-estátua no centro comercial? E um sem-abrigo? Ali, nem seria sem-abrigo...

As pessoas sentem-se bem nos centros comerciais. Dizem os especialistas que é porque têm lá tudo o que precisam, e ainda ar condicionado, estacionamento e segurança. Esta aproxima-se da perfeição. A julgar pelos resultados, é draconiana, para usar uma linguagem jornalística. E no entanto não se vê. Não há, no Colombo ou no NorteShopping, checkpoints policiais como nas ruas de Kinshasa ou Cartum.

Tenho uma amiga que montou uma empresa. O ramo é a consultadoria financeira. Anunciou os serviços na Internet e começou a angariar clientes. Mas vive nos subúrbios e, como não tinha dinheiro, não podia arrendar um espaço em Lisboa. Decidiu marcar encontros na área de restauração de um grande centro comercial. É o seu escritório. Compra um café e um bolo, senta-se com o seu laptop na sua mesa preferida, numa zona com serviço wi-fi, próximo de uma daquelas máquinas de carregar telemóveis, e passa ali o dia a trabalhar. Atende clientes, faz contactos, fecha negócios.

Ela é a prova de que, em breve, toda a nossa vida vai transferir-se para os centros comerciais. Há todas as razões para entrarmos lá e nenhuma para sair. Podemos encontrar tudo num centro comercial, excepto as coisas desagradáveis. É um mundo reconstruído a partir do nada. Nos melhores shoppings das cidades portuguesas até se pode ouvir o chilrear dos pássaros, ou outros sons da natureza, graças a gravações reproduzidas em altifalantes escondidos. Nos centros comerciais faz-se tudo, como se estivéssemos no mundo real, embora não seja o mundo real. É uma espécie de Second Life de última geração. Nas cidades europeias e americanas que conheço não há grandes centros comerciais

- Paulo Moura in Do Outro Mundo no Público. 16/01/09

domingo, 11 de janeiro de 2009


O português bonacheirão, hospitaleiro e de "brandos costumes" é o estereótipo do português médio, retratado e perpetuado desde a intelectualidade bacoca ao imaginário colectivo. Em qualquer época que se fale da história nacional, o português é sempre retratado como um Zé Povinho.

Pós-romano, Medieval, Renascentista, Moderno, Contemporâneo ou Pós-Moderno, o Zé Povão lá aparece, submisso e idolatra às elites, incapaz de mostrar uma vontade de mudança vincada, o povo português é, segundo os apologistas dos "brandos costumes", figurante na sua própria História, deixando essa na mão dos aristocratas, clérigos, militares, industriais, políticos, patrões, empresários e self-made men cá do burgo que ao longo do rumo da nação se têm alinhado para tomar as lides da vida civil.

Não importam as revoluções, as sublevações sociais, o activismo que levou a política à rua e todas as desobediências civis que fizeram a nossa História, o espírito português actual modela toda a acção das anteriores gerações à nossa apatia, à nossa submissão e falta de espírito crítico.

Não somos um povo "pacífico", a história do nosso povo é uma de democracia, que se revelava quando as populações não encontravam amarras psicológicas para quebrar o status quo.

Agora apenas somos ordeiros, um rebanho bem doutrinado e ensinado a não pôr em causa o que está estabelecido, a dar liberdade total e absoluta às nossas elites e a adorá-las pela forma como gozam connosco e nos retiram o que é nosso por direito, fruto do nosso trabalho.

Aquando o grupo de jovens Verde Eufémia atacou uma propriedade agrária privada que cultivava transgénicos, coros de gente indignada, idolatras e submissos à autoridade e à hierarquia, hipócritas até ao tutano, condenaram este acto de desobediência civil num país habituado à "carneirada". Paulo Varela Gomes, professor de arquitectura e cronista do Público, disse de sua justiça num texto genial:

«A reacção - histérica - ao caso de Silves (...) é um caso dos mais interessantes acontecidos em Portugal de há muito tempo para cá. Neste país de cobardolas, qualquer gesto decidido assume de imediato foros de escândalo. Neste país que enterrou uma revolução debaixo de um manto de mentiras, silêncios e cumplicidades traidoras, qualquer recordação - por mais ténue - daquilo que se passou em 1974-75 cheira a ameaça insuportável.

Neste país onde os poderosos violam a lei todos os dias, onde a polícia e os tribunais servem sobretudo para ajudar os poderosos a não cumprir a lei, onde a lentidão e ineficácia dos tribunais criam um estado de não-direito, ninguém se lembra de exigir que seja aplicada toda a força da lei (de imediato! rigorosamente!) quando os salários não são pagos, os patrões fogem aos impostos, as empresas e os bancos defraudam os cidadãos. Mas ai de quem puser o pé num centímetro quadrado da sacrossanta propriedade privada agrária, esse símbolo por excelência da Ordem multi-secular.

Que extraordinário país! Um povo todos os dias enganado, roubado, o mais pobre da Europa, o mais ridículo. E nem um carro incendiado, nem uma montra partida, nem um protesto violento. Dóceis como carneiros, que é naquilo que foram treinados, é aquilo que são - envergonham-me vocês, oh ordeiros de dedinho sentencioso no ar e voz tremeluzende de indignação só porque meia dúzia de miúdos resolveram violar a lei. Pode não ter sido correcto o que os miúdos fizeram, mas mostraram mais coragem que vocês todos juntos. Respeitem ao menos isso: que ainda haja portugueses capazes de arriscar alguma coisa por aquilo em que acreditam. Respeitem ao menos quem é capaz de um gesto.»

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009


Aqui vai um texto da autoria de João Rodrigues sobre a direita liberal na Europa e o seu mais recente e predominante representante:

«O presidente checo (...) defende um aligeiramento dos standards nas áreas ambientais, laborais ou de saúde. Assim se prova que o mercado livre é a ficção que os neoliberais alimentam para mascarar a sua aposta no incremento deliberado da discricionariedade do poder empresarial privado, ou seja, da sua capacidade para transferir uma série de custos para a sociedade em geral e para os trabalhadores em particular. A dupla crise - económica e ecológica - ou a compressão dos salários, que contribuiu para o sobrendividamento das famílias em muitos países e para a crise financeira, são algumas das reais consequências de se tentar moldar a sociedade à imagem de uma ficção. Apesar de alguma retórica, o neoliberalismo é uma engenharia política utópica. Hoje, os neoliberais, limitam-se a negar a evidência científica que não cessa de se acumular sobre as alterações climáticas e sobre o fracasso rotundo da globalização financeira. Uma impostura intelectual. Uma impostura que ainda detém demasiados recursos e poder.»

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Paulo Varela Gomes, cronista do Público com a sua Cartas de Cá, reflecte sobre a relação intelectual entre a moderna direita liberal e Darwin, explicando porque razão esta ala política dá asas a um anti-humanismo declarado.

«Em 2009 faz 150 anos que foi publicado A Origem das Espécies de Charles Darwin (1859), um dos livros mais importantes de todos os tempos. Darwin foi detestado pelo pensamento reaccionário no século XIX por ter tornado Deus uma hipótese desnecessária (a frase é de outro evolucionista, Lamarck, não é de Darwin) e a direita religiosa norte-americana abomina-o ainda hoje. Mas serviu a direita laica e moderna, racista e fascista do século XIX e do início do século XX que precisava de justificar a preponderância dos mais fortes sobre os mais fracos.

A nova direita moderna também gosta muito de Darwin: o aniversário do livro foi assinalado em tons de festa pela sua revista porta-voz. a Economist, no número de Natal de 2008. Parece que esta direita descobriu, através dos seus think-tanks, as muitas virtudes do darwinismo, já não as raciais, mas as sociais e económicas. Debaixo da legitimação de Darwin seria possível dizer-se, como escreve a Economist com rara grosseria, que o crescimento económico é infinito, mas que sempre haverá pobres.

(...)

hoje, a direita moderna, livre do passado antigo de que já só se reclama para parecer bem na missa de domingo, sem vergonha e sem problemas, deixa às Igrejas o que é de Deus e ao Capital o que é do Homem. E o Capital é outro nome para a sobrevivência dos mais aptos. Não admira que vá repescar Darwin.»

terça-feira, 6 de janeiro de 2009


«O capitalismo é um sistema no qual as instituições centrais da sociedade estão, em princípio, sob controlo autocrático. Logo, uma empresa ou indústria é, se pensarmos em termos políticos, fascista, isto é, tem um controlo apertado que parte do topo e uma obediência rígida tem de ser estabelecida a todos os níveis...Tal como me oponho ao fascismo político, oponho-me ao fascismo económico. Penso que enquanto as principais instituições da sociedade não estiverem sobre controlo popular dos participantes e das comunidades, não faz sentido falar de democracia
- Noam Chomsky

A democracia assumiu-se como sistema político dominante desde a queda da União Soviética, trazendo consigo a perspectiva de um controlo autêntico das populações sobre a governação do seu país.

A democracia representativa com o sistema económico de mercado livre e aberto depressa se expandiu de modo epidémico por nações que em tempos anteriores se tinham dedicado à criação de uma sociedade progressista, igualitária e justa, convencendo-se a opinião pública pelos meios de comunicação e as supostas vozes da liberdade que esta seria a melhor forma de garantir a liberdade e prosperidade dos povos, porém a realidade contradiz directamente essa ilusão de uma suposta "igualdade na liberdade" definida por Tocquevile ao estudar a primeira democracia no mundo, a americana.

Porém a democracia representativa e o mercado livre são sistemas que reproduzem uma inequalidade social que não podem ser amenizadas pelos seus rituais de realização quase simbólicos.

Os cidadãos ao elegerem os seus líderes não estão a tomar um real controlo sobre as medidas que irão afectar as suas condições de vida, apenas nomeiam alguém com base em premissas de como irá actuar, mas quando chega a altura de serem feitas decisões que irão afectar a comunidade inteira (não importa quão grande ou pequena possa ser), a população é posta de lado e é uma elite que toma controlo da governação.

Na actual democracia, apenas a participação intensa dos cidadãos e a realização de referendos sobre temas importantes (e não apenas fracturantes) pode fazer valer a ideia de que um povo controla realmente a comunidade onde habita, trabalha e vive.

Na sua natureza anárquica, o Mercado Livre reclama e impõe uma "liberdade" de feições totalitárias, pois desde a alienação de património do espaço público para a exploração privada, ao amontoado de publicidade nas ruas e à linha do pensamento único nas instituições de educação e nos meios de comunicação, a doutrinação constante vai impedir o surgimento de novas formas de pensar, sendo que aquelas que se afirmam novidade, não passam de versões renovadas da mesma ideologia de mercado.

E como o Mercado se caracteriza pela acumulação de capital nas mãos de uma elite, criando oligopólios ou mesmo monopólios, o sector privado muito facilmente pode influenciar e impôr os seus interesses no mundo político e impedir a real participação dos cidadãos no processo democrático.

A ilusão de que vivemos em democracia é mantida por uma liberdade de expressão e imprensa, que seriamente escrutinada, não é senão a promoção de uma mesma linha de ideias proferidas por uma secção da população, enquanto o resto não tem voz por não ser conveniente ao capital e ao governo. As eleições que acontecem de 4 em 4 anos, vão contra o espírito de distribuição igualitária da liberdade que representa a democracia, pois estas são a eleições de líderes, cujas acções os povos não controlam e a imprensa teima em não dar atenção.