quarta-feira, 24 de junho de 2009

Não se tem falado noutra coisa. Como tema de capa ou com direito a página central, os conflitos em Teerão, com reflexos espontâneos noutros centros urbanos do país, tornaram-se a causa do momento. Esquecendo as verdadeira causas que originaram estes distúrbios e as classes sociais que a levaram à rua, é ver a ocidentalidade liberal e conservadora, juntas por um Irão "democrático" em tudo aquilo que eles pensam que é a democracia.

Olham para os conflitos em Teerão e negam a realidade do resto da país e da enorme massa populacional dos campos e das pequenas cidades. Ignoram que os conflitos nascem de uma classe de gente urbana constantemente exposta à Ocidentalidade. Aos valores, costumes e comportamentos socialmente aceites na nossa civilização. Uma classe de gente ocidentalizada que não se identifica com a realidade do seu país.

Falam de uma luta do povo contra o regime, quando na realidade, é uma luta da classe burguesa contra a elite clerical que controla o país. Falam de Mousavi como um democrata impoluto e moderado, mas esse "barrete" é fácil de se tirar ao olhar para a biografia do "reformista":

Mir Hossein Mousavi Khameneh foi primeiro-ministro do Irão durante a guerra com o Iraque (1981-1989). No seu curriculum, destaca-se o feito de ter ordenado a matança de milhares de presos políticos. Foi durante o seu mandato que partidos e organizações políticas, sindicatos, organizações femininas, entre outras, foram perseguidos assim como os seus membros - milhares deles, jovens estudantes de institutos e universidades - detidos, torturados e executados. Trata-se da maior matança da história contemporânea do Irão. Entre as vitimas, 53 membros do Comité Executivo do Partido Comunista, o Tudeh, dos quais quatro haviam passado 25 anos da sua vida nas prisões do Xá. Poetas, escritores, professores universitários, profissionais de medicina, dezenas de militares (entre eles o comandante em chefe das Forças Marítimas do Irão, o General Afzali, acusado de pertencer ao Partido Comunista), os principais representantes das minorias religiosas no parlamento (todos de esquerda) foram executados depois de sofrerem a tortura física e psicológica (como ser forçados a disparar na cabeça dos próprios camaradas). As reivindicações das minorias étnicas, que compõem cerca de 60 por cento da população, por uma autonomia administrativa foram duramente reprimidas e centenas de curdos e de turcomanos foram enforcados nas praças públicas. A magnitude da repressão política, religiosa, étnica e de género do regime islamista obrigou ao exilio de quatro milhões de pessoas no maior êxodo da história do país. Estima-se que cerca de trinta mil pessoas foram assassinadas em poucos meses em 1988.

O que tem motivado os protestos iranianos e a indignação ocidental é a acusação de fraude por parte de Mousavi e dos seus apoiantes, a ocidentalidade deparando-se com as imagens das reportagens da campanha eleitoral, montadas "imparcialmente" pelos insuspeitíssimos Media ocidentais, descreveram um Irão sem ter em conta o carácter de classe implícito àquela sociedade e aos movimentos políticos existentes dentro do próprio regime islâmico.

Ahmadinejad ao longo do seu mandato apostou numa política de «levar à mesa do povo o dinheiro do petróleo», que realmente beneficiou os camponeses e as famílias mais pobres a saldar as suas dívidas. Porém, Ahmadinejad não conseguiu derrotar os banqueiros(tentou despedir um banqueiro, não conseguiu) e parar o crescente poder político dos principais grupos económicos privados do Irão. A descida dos preços de petróleo também não ajudaram os cofres do Estado que estão de momento endividados.

Enquanto isso, é objectivo claro de Mousavi privatizar o petróleo, recurso natural do Irão, fundamental na sua economia. Daí que agrade tanto à Burguesia e ao Capital.

De igual modo se ignora que existe uma tendência clerical do regime e outra republicanista. E pasme-se. Ahmadinejad pertence à ala do republicanismo e tem progressivamente isolado os ayatollahs mais fundamentalistas de se acercar do poder. Por isso mesmo, o ayatollah Rafsanjani reuniu-se com o Conselho dos Guardiões em Qom e já chegou a estar na mesa a deposição do Ayatollah Khamenei, actual líder supremo do regime teocrata.

Enquanto que a libertação do povo iraniano da teocracia islâmica é urgente, o movimento que se ergue em nada envisiona a melhoria da qualidade de vida da totalidade do povo iraniano, sendo apenas uma manifestação da burguesia nacional e internacional a moldar a civilização «à sua imagem». É por isso urgente continuar a luta do povo iraniano, não pela edificação de uma democracia burguesa, mas por uma democracia socialista e dos trabalhadores.

O Partido Tudeh, a força política comunista do Irão já se pôs ao lado da revolta e do que resultar deste acontecimento político, o Tudeh não deixará de vincar a vontade do povo iraniano e o assegurar de direitos e poder de decisão para a sua classe trabalhadora.


- biografia de Mousavi retirada do Radio Moscovo
- artigos que fundamentaram este post estão no resistir.info e odiario.info.

2 comentários:

Miguel Madeira disse...

"Porém, Ahmadinejad não conseguiu derrotar os banqueiros(tentou despedir um banqueiro, não conseguiu) e parar o crescente poder político dos principais grupos económicos privados do Irão."

Segundo os seus camaradas do tudeh, ele fez mais do que "não conseguir":

http://www.tudehpartyiran.org/TN%20256%20-%20May%202009.pdf

"Ahmadi-Nejad’s administration, contrary to the demagogic slogans, has knowingly acted in favour of the interests of grand capitalists and the parasite sections of Iran’s capitalism in particular."

(....)

"The deepening of the class gap and unjust distribution of income is directly related to the expansion and spread of broker and unproductive economy. Since Ahmadi-Nejad’s administration has surpassed any other Islamic Republic government in promoting this type of economy, we witness the exacerbation of income distribution against the interests of the majority of population, hence deepening of the class gap"

Nelson Ricardo disse...

Miguel Madeira - Tudo no fim explica o porquê do Irão ser um labirinto político, pena que com essa realidade o povo iraniano, no seu todo, não adopte uma posição firme contra o regime, deixando a luta contra a teocracia nas mãos de uma classe burguesa e intelectual citadina.