segunda-feira, 1 de junho de 2009


Uma nova revista emergeu no mercado dos media. A Nova Cidadania é uma revista mensal que trata temas políticos, filósofos, sociais e económicos sob o lema «Liberdade e Responsabilidade Social».
Quem se dignar a ler o Estatuto Editorial pode reparar que a tal Liberdade e Responsabilidade Social baseiam-se em muitos dos postulados capitalistas que promoveram a financeirização da economia e a concentração de 80% da riqueza mundial em 1% da população planetária.
Promovendo autores como Burke e Tocqueville, estão também a elevar os nomes de Friedman e Hayek, intelectuais do Mercado Todo-Poderoso, os arautos da liberdade que levaram o mundo a um abismo de desigualdade, construção de Impérios económicos nas relações entre Estados e de Multinacionais para com os países.

Voltamos à velha problemática da semântica da Liberdade. Para o iluminismo anglo-americano e seus percursores liberais, neoliberais e neoconservadores, a liberdade assemelha-se muito à premissa que a sociedade é naturalmente hierarquizada e que qualquer indivíduo é livre de subir a "escadaria" e ter real poder de decisão sobre outro indivíduo. É o legitimar intelectual de que uns são superiores aos outros e o poder de «vida e de morte» que uns exercem sobre outros é perfeitamente natural na única ordem social aceitável.
Eis a legitimação intelectual de que as elites possam para sempre tratar as massas como espécies sub-humanas e tratar o morticínio e miséria destas como um elemento natural na cadeia social. O darwinismo aplicado à sociedade.

A realçar ainda mais o carácter autoritário desta tal "Liberdade" deparamo-nos com a "Responsabilidade Pessoal", o conceito que afirma que cada um é dono dos seus actos e que eles não deverão ser enquadrados no contexto social e cultural em que se inserem. É uma perspectiva que legitima a vigilância securitária, impondo a mentalidade de que "quem nada teme, nada deve", como se esse fosse argumento que bastasse para cercear a nossa liberdade de acção e de pensamento.

É também um valor que tem em vista o fim do Estado como prestador de serviços públicos gratuitos, deixando a Saúde e Segurança Social - referidos pela revista como centrais na sua "reflexão"- às mãos da Caridade e do Capitalismo de Roleta.

A revista afirma estar contra o "monismo dogmático" ao mesmo tempo que critica o "relativismo pós-moderno". É no mínimo curioso que alguém afirme que o espaço de reflexão está controlada por um única sistema de ideias ao mesmo tempo que afirma existir nesse mesmo espaço um relativismo de qualquer sistema de ideias.

Esta preocupação relativamente ao "monismo dogmático" advém do medo que o conceito de democracia vá para além de um sistema político em que se elege os seus membros de 4 em 4 anos, esse ideal provindo da Revolução Francesa, de que a democracia constrói-se na Igualdade e não numa liberdade que permita apenas às elites oprimir os subordinados.

A crítica ao "relativismo pós-moderno" fundamenta também a apelidação de «agressivo» dos valores laicistas da democracia e a exaltação da caridade como substituto do Estado Social. A crença de que a Religião é um valor tão fundamental á sociedade como o conceito do Estado democrático é a negação da liberdade de pensamento e de ideias próprias da democracia. É a negação da pluralidade e do debate de ideias, para impôr um outro sistema de ideias, irrefutável e imutável. É a velha faceta totalitária do pensamento liberal.

A Nova Cidadania, porém, não é só uma revista, é também uma realidade política cada vez mais presente na nossa sociedade. na qual desaparece o contrato social de Rosseau, de que o conceito de cidadania só faria sentido se todos contribuissem de igual modo para a construção e manutenção de uma ordem social baseada na igualdade entre os seres humanos. Igualdade essa que abriria portas à verdadeira liberdade. A liberdade entre homens iguais, com igualdade de meios e instrumentos e que permita o seu livre desenvolvimento.

A Nova Cidadania baseia-se nas premissas de Friedman sobre "liberdade de escolha" e o fundamentalismo de Hayek que trata a coisa pública com o preconceito típico de quem afirma o Mercado como espaço de liberdade, sem olhar para as desigualdades que condicionam largas partes da população na sua acção e desenvolvimento. É uma realidade indesejável, mas não deixa de ser realidade.

Aos que lutam por um mundo melhor, por uma Humanidade liberada e uma Classe Trabalhadora dominante devem aprender o inimigo em todas as suas mutações, em todas as roupagens de que se cobre para impôr as mesmas ideias de sempre. E, acima de tudo, tem de estudar as realidades sociais e como elas se adaptam às diferentes formas de "liberdade" capitalista, de modo a encontrar a luta de classes e evidenciá-la, destruindo as camadas de ilusão por detrás da verdade crua.

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