terça-feira, 25 de agosto de 2009

Coragem operária em tempos de medo


Quem vive e comungue as condições de vida da classe trabalhadora cedo chega à conclusão que os intermináveis tempos de "crise" deixam pouco espaço à reivindicação de mais direitos e renumerações mais justas.

Quem olhar para as notícias e os testemunhos dos operários nas fábricas, reconhece que estes, muitas vezes, abdicam de horas de descanso e direitos laborais para impedir que a empresa em que trabalham e ajudaram a construir não se afogue e sucumbe no meio da "competitividade" capitalista. E nas indústrias, essa competitividade é feita a nível mundial com países de terceiro mundo, onde a classe trabalhadora é explorada até à proto-escravatura e a servidão.

O caso da Qimonda, empresa construtora de semicondutores e chips (produtos informáticos de alta tecnologia), é uma exemplo de como um negócio foi mantido à custa da negação de direitos justos dos trabalhadores, os operários desta fábrica chegaram a trabalhar 12 horas por dia e os seus salários sofreram um corte de 40% do valor e o lay off de alguns dos assalariados, apesar da Comissão de Trabalhadores afirmar que a empresa "não estão mal financeiramente", existindo ainda "muito dinheiro" e que a "encomenda de 5 milhões de unidades de memórias RAM feitas há algum tempo" já "implicou a chamada de 75 trabalhadores que estavam em lay off".

Porém, a situação da Qimonda não é o principal tema deste post.

Desde há algumas semanas tenho vindo a conhecer um exemplo enorme de coragem operária, de seu nome, Fátima Coelho.

No Norte do País, em Vila Nova de Famalicão, a empresa Fersoni, que se dedica à produção de têxteis, Fátima Coelha, com 25 anos de trabalho na Fersoni, com uma "ficha disciplinar limpa, sem qualquer repreensão ou castigo" foi eleita delegada sindical em Maio de 2006.

Ora a administração da empresa, vendo o exemplo de união dos trabalhadores da fábrica, iniciou à operária e sindicalista uma ofensiva de "terrorismo psicológico", que começou pela instauração de um processo disciplinar em Setembro de 2006 por se ter levantado da linha de produção para ir buscar uma água com que matar a sede e em Dezembro do mesmo ano acabou mesmo por ser despedida após ter sido acusada de roubar uma peça de vestuário.

Fátima Coelho, que durante meses não se vergou à opressão patronal para desanimar os operários da Fersoni, também não desistiu após o seu despedimento e juntamente com o seu sindicato de classe levou o caso a tribunal, do qual se confirmou a sua inocência e a obrigação da empresa em reintegrá-la.

A administração da Fersoni não se dando por derrotada, negou-se a pagar os salários em dívida à operária, passando a ser necessária a «execução judicial de património da empresa» para saldar a dívida.

A coragem e a lealdade aos seus colegas de trabalho levaram Fátima Coelho a ser eleita pra a direcção do Sindicato Têxtil do Minho e Trás-os-Montes, mais tarde para a União dos Sindicatos de Braga e em 2009 para a FESETE, federação sindical do sector.

Apesar de levar uma actividade sindical consoante os «estritos termos» da Lei, a administração da Fersoni, continuou a sua cruzada de vergar a sindicalista, ao criar um ambiente cada vez mais hostil ao ponto de pagar um salário de 333 euros em moedas de 1 euro e mais recentemente fazer passar um abaixo-assinado pelos trabalhadores da Fersoni que teriam de escolher entre a permanência de Fátima Coelho na empresa ou a existência da própria empresa, passando mesmo à coacção de algumas trabalhadoras para fazer vencer este vergonhoso abaixo-assinado.

A União dos Sindicatos de Braga já organizou uma concentração de solidariedade frente à fábrica da Fersoni para mostrar que Fátima Coelho, que passou por inúmeras provações, não está sozinha e aqueles que têm um compromisso com a classe trabalhadora não a abandonam.

Em tempos de medo, na qual a "crise" é usada como desculpa para o corte de salários, lay offs e deslocalizações, encontrar um exemplo como o de Fátima Coelho, é encontrar esperança e admiração, é ver que a coragem aparece em sítios e alturas que parece menos propícia ao seu surgimento.

Kant afirmava que ou se "tinha um preço ou uma dignidade", Fátima Coelho, não vendeu os seus princípios e ao fazê-lo afirmou uma dignidade de classe que faz dela um símbolo de resistência, coragem e dignidade.

1 comentário:

filipe disse...

Que o exemplo da Fátima frutifique e seja apoiado por todos os explorados.
A nossa solidariedade é muito importante, podendo até ser decisiva, daí a justeza deste teu post.
Saudações