Como já aqui havia dito, dediquei parte do Verão a ler o livro «O Socialismo Traído». Obra que merece uma revisão por nos dar uma visão do colapso da URSS diferente dos lugares-comuns que proliferam no discurso dos "politólogos", "historiadores" e "jornalistas" dos media de "referência".
Os autores do livro Roger Keeran e Thomas Kenny apresentam não só uma visão do que foi o fim da URSS, mas uma instrospecção da construção do socialismo soviético e as suas contradições. Contradições que foram fatais para um desfecho (ainda) trágico que afectou e reduziu as condições de vida dos habitantes das antigas repúblicas soviéticas.
A hipótese apresentada é que a URSS caiu devido às acções de uma clique política e intelectual, instaurada nos cargos de topo do PCUS e nascida de uma segunda economia ilegal, de feições capitalistas, que conseguiram pôr em prática os seus ideais burgueses quando tiveram um secretário-geral do partido aberto a reformismos que muitas vezes roçavam o anti-marxismo e até a completa rejeição do comunismo.
Esta linha reformista e aberta a soluções de mercado já tinha nascido aquando a formulação do NEP, já na altura de Lenine, para reerguer a União Soviética após a devastação da 1ª Guerra Mundial e o eclodir da Guerra Civil contra a resistência aristocrática - Exército Branco.
Havia começado com Bukharine, que fundamentou intelectualmente uma ala social-democrata no PCUS, promovendo ideias burguesas de democracia e de abertura a mercados de iniciativa privada.
Krutchov, que veio a tornar-se secretário-geral do partido, iniciou um discurso que veio a tornar-se tendência entre os defensores do mercado. Renegou a herança de Stalin, inclusive a económica que permitiu a reconstrução e edificação de uma economia socialista sólida apesar da invasão nazifascista do território soviético, para dar largas à imposição de medidas que causaram retrocessos na construção do socialismo, tal como a descentralização política - que permitiu o aparecimento de interesses locais, em detrimento dos nacionais - e investimentos errados na agricultura - como a transformação das Terras Virgens em terrenos agrícolas - que mais tarde vieram a dar más colheitas e contribuiram para algumas das crises de escassez alimentar que assolaram a nação soviética.
Mais tarde a de-estalinização veio a ser usada de novo, desta vez por Gorbatchov, que aproveitou o ímpeto da democratização do regime soviético, iniciado por Andropov - anterior secretário-geral do PCUS - para decretar a partir de cima a desmantelação a nível político e económico o sistema socialista da URSS.
De acordo com o livro, Gorbatchov queria instaurar na URSS uma social-democracia à moda europeia, com uma economia de mercado e eleições de cariz burguês. Para atingir esse objectivo utilizou a Perestroika (Reforma) e a Glasnost (Abertura) para destruir o PCUS e aliená-lo da planificação económica da União Soviética, o que teve resultados desastrosos, aumentando a escassez de produtos e alimentos.
A destruição e afastamento do PCUS foi o principal papel de Gorbatchov no processo que veio a desencadear o fim da URSS, contudo, outros dois membros destacaram-se na sua vontade de destruição do socialismo e de rapina do povo soviético.
Iakovlev, braço direito de Gorbatchov, lidou este a implementar políticas que renegaram os ideais marxistas de luta de classes e de construção do socialismo, sempre sob a capa de inevitabilidade que o desastre iminente caíria sob a URSS caso nada se fizesse e Iakovlev, encarregado dos media soviéticos, pegava nos conceitos reformistas de Gorbatchov e desenvolvia-os com ideias de conteúdo pró-capitalista.
A terceira figura grada na queda da URSS foi Boris Ieltsin, personalidade política muito aclamada pela radio Europa Livre durante os anos da Guerra Fria. Ieltsin, é considerado pelos autores como um patriota soviético que porém rechaçava o socialismo e almejava uma restauração pró-capitalista em todo o território soviético, mas ao ver que não conseguia destruir o sistema socialista sem acicatar os vários nacionalismos das várias repúblicas, pegou no nacionalismo russo e deles fez-se campeão para melhor levar a cabo o seu objectivo.
N'O Socialismo Traído podemos encontrar um estudo da evolução desta linha reformista desde o seu nascimento na década de 20, com Bukharine e os pequenos proprietários e o campesinato, com Krutchov, primeiro secretário-geral disposto a implementar medidas pró-mercado, o florescimento da segunda economia na altura de Brejnev e o seu triunfo final com a clique Gorbatchov-Iakovlev-Ieltsin.
A leitura deste livro permite-nos também conhecer alguns fun facts sobre a defunta pátria socialista, entre os quais a existência de uma democracia de classe, fundada e patricada nas sovietes e nos sindicatos - democracia essa que Andropov, enquanto viveu o suficiente como secretário-geral tentou estimular para levar à necessária democratização da sociedade soviética - o ritmo da industrialização, alguns hábitos existentes na prática social daquele país, a relação dos cidadãos soviéticos com o socialismo e até a existência de um referendo não-vinculativo em 1991 em todo o território da URSS com excepção dos países bálticos, questionando aos vários povos das repúblicas se queriam a manutenção da União. Curiosamente, em nenhum país o «Não» a essa questão ganhou.
1 comentário:
Já passaram mais uns anos osbre esta publicação. A obra está hoje esgotada nas edições avante, mas o centenário da revolução exige de nós uma reflexão sobre o desenvolvimento dos processos revolucionário e contra-revolucionário na União Soviética. É importante, por exemplo, ler os documentos produzidos pelo XIII e pelo XIV Congresso à luz das análises de Keenan e Kenny, mas também de Ludo Martens e de Kurt Gossweiler. É importante para nos protegermos do revisionismo e para podermos definir com clareza uma linha justa, para que a luta tenha um sentido claramente definido e se fortaleça a cada dia, mas é também uma lição de como uma organização revolucionária não pode ter dogmas nem viver agarrada a conclusões antigas. Reavaliar as conclusões sobre a derrota da União Soviética é uma tarefa premente dos comunistas portugueses.
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