sexta-feira, 26 de setembro de 2008


«Mas enquanto eles palram sobre leis económicas, homens e mulheres estão a morrer à fome. Temos de ter em conta que as leis económicas não são feitas pela natureza. São feitas por seres humanos»
-Franklin Delano Roosevelt, 32º presidente dos EUA

Os adeptos do liberalismo económico têm um comportamento muito semelhante aos dos reverendos americanos do séc. XVIII que proclamavam o apocalipse com data marcada para que no momento seguinte todos vissem Cristo retornar à terra e salvar os fiéis que resistiram ao mal que se tinha extendido por todo o lado.

Um liberal acredita que as purgas e crises do sistema capitalista são necessárias para que a "madeira podre" caia e a "árvore" continue frondosa e cheia de vigor. Digamos que uma espécie de selecção natural aplicada à sociedade, onde os fracos e incautos têm de desaparecer para que os fortes e prudentes continuem a liderar o mercado. O menor dos males, diz-se por aí.

José Manuel Fernandes, director do Público, disse de sua justiça no editorial de 25/09/08, adoptando esta postura escatológica e redentora do capitalismo e do mercado livre.

Dei-me a liberdade de retirar algumas partes do texto e contrapô-las a alguns factos interessantes:

«A Fannie Mae foi criada em 1938 pelo mais "socialista" (desculpe-se a ironia) dos presidentes dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt, no quadro do New Deal, o programa de apoio às classes mais desfavorecidas que criou a base de muitos dos prograamas sociais ainda hoje existentes
-Muito bem, a base do argumento está criado, a crise começou há 70 anos quando o governo norte-americano decidiu intervir na economia. Aí está, se tivessem deixado o mercado trabalhar em paz, tudo se iria resolver, os processos darwinianos do capitalismo iriam regular a confusão que eles próprios tinham criado. Ou será?
Entre 1926 e 1933, o republicano Herbert Hoover ocupava o cargo de presidente norte-americano e qual era a sua postura em reacção à crise? O mercado livre, sem intervenção governamental iria resolver a crise. O que aconteceu? De uma taxa de desemprego de 9% antes de 1929 passou-se para uma de 16% em 1931 e esta estatística voltou a subir em 1933 com um quarto(25%) da força de trabalho norte-americana a ficar sem emprego. A produção no país caiu a pique e milhões de pessoas conheceram a pobreza e a subnutrição e aqueles com a sorte de permanecerem empregados encontraram salários reduzidos e horários aumentados.

O que reergueu a América? O "socialismo" de Franklin Delano Roosevelt e o seu New Deal. A criação de leis que providenciassem ajuda financeira às famílias mais atingidas com a crise, o intromissão do governo na economia de modo a criar emprego, tendo em conta não só as empresas como também os consumidores, criaram-se leis anti-monopólio, o estabelecimento do salário mínimo e o fortalecimento do papel dos sindicatos nas defesas dos trabalhadores. Teve de ser o Estado a limpar a porcaria que o capitalismo e o mercado livre causaram, não tivesse sido a intervenção estatal para salvar a Fannie, Freddie e AIG, os EUA estavam de momento a tomar um longo passeio pelo terceiro mundo dentro das suas fronteiras.

Existiram também fortes repercussões noutros países, tal como Canadá, Austrália, Reino Unido, entre outros. Disponho aqui o link onde fui retirar as informações: http://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_depress%C3%A3o#Legado

«A função da Fannie Mae e da Freddie Mac era assegurarem que os bancos aceitavam conceder empréstimos a famílias de menores rendimentos para que estas pudessem comprar casa. (...) O que aconteceu nos Estados Unidos? Ao facilitar dinheiro barato sempre que a economia arrefecia, o Fed permitiu que o consumo privado se mantivesse elevado, funcionando como motor do crescimento. Mas ao mesmo tempo, criou estímulos para aqueles que não podiam comprassem casas que, num mercado onde o preço é determinado pela procura, subiram a preços disparatados. Porém, até porque existiam leis federais que o proibiam(...), a Fannie Mae e Freddie Mac continuavam a garantir os empréstimos para que os menos endinheirados continuassem a comprar casa
Estes últimos parágrafos não merecem pouco mais que algumas afirmações, sendo que a principal que se pode fazer é que a Freddie Mac e a Fannie Mae estão na situação actual devido a entrarem no mercado bolsista e responderem às pressões resultadistas do lucro imediato e fácil, esquecendo-se do seu objectivo de utilidade pública ao povo norte-americano de assegurar a cada indivíduo habitação própria.

Na óptica do director do Público, apenas os endinheirados e poderosos têm o direito de adquirir casa, os restantes «menos endinheirados» que se amanhem. Vivam ao natural. Não é isso que fazem 100 milhões de pessoas por todo o mundo?

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