Actualmente, perante a crise de dívida que se está a abater sobre a Grécia, Irlanda e dentro em pouco, Portugal, muito se fala das reacções dos mercados financeiros e das consequências destas nas dívidas públicas.
A lógica é que quando a "coisa" parece estar em vésperas de implosão, os mercados castigam os países através do rating da dívida, passando a ser mais difícil ao país pedir empréstimos no estrangeiro. Como não podia deixar de ser, os adeptos do Mercado Livre não questionam a autoridade das instâncias, como se a sua Razão fosse inabalável à Memória. Não é raro referirem-se às instituições do Mercado Livre e suas linhas ideológicas como o garante da "transição democrática" do Leste Europeu e das "ditaduras de Direita".
Numa altura em que também se celebram os 20 anos da libertação de Nelson Mandela, que levou à derrocada do Apartheid, é um curioso exercício saber quais foram os "sinais" dos mercados financeiros ao fim do regime branco.
No exacto dia em que Mandela foi libertado, os mercados entraram em pânico e causaram a desvalorização do rand, moeda sul-africana, em 10%. Mais tarde a companhia de diamantes De Beers mudou a sua sede da África do Sul para a Suíça e em 1996, já com a democracia instaurada, o rand desvalorizou 20% num só mês, além do «capital» que estava a sair do país com os «ricos e nervosos do país colocavam o seu dinheiro em contas no estrangeiro».
As reacções do Mercado eram de um histerismo tão ridículo que após Mandela mencionar a nacionalização das minas de ouro sul-africanas numa reunião com homens de negócios, o All-Gold Index, índice de referência do ouro, caiu 5%.
As fortes mensagens do Mercado Livre, deram cedo a entender às figuras de topo do Congresso Nacional Africano, movimento de libertação deste país, que se não queriam um país mais pobre quando atingissem o poder teriam de negociar com as multinacionais do antigo regime e os economistas das instituições internacionais.
O medo da miséria mais abjecta levou o CNA a estabelecer uma política de compromisso com os interesses económicos globais e que suportavam o apartheid. O compromisso foi desde a independência do seu Banco Central, liderado por Chris Stals, o mesmo homem que o chefiara na ditadura; à impossibilidade de levar a cabo uma reforma agrária que redistribuísse as terras, de nacionalizar os «bancos, minas e indústrias de monopólio» ou até de subir os salários.
Entre outras concessões, ficaram por cumprir o perdão internacional da dívida pública deixada pelo regime do Apartheid e a criação de um imposto de solidariedade, com o qual as multinacionais que lucraram com a segregação ajudariam as famílias das vítimas.
Em contra-partida, o CNA lançou um plano público para a economia que o próprio Thabo Mbeki apelidou de Thatcherite. Era digno das terapias de choque que os liberais portugueses desejam para o país: «privatizações, cortes nas despesas do Estado, "flexibilidade" laboral, comércio mais livre e controlo monetário mais folgado.»
O resultado do plano está à vista, hoje, os sul-africanos são mais pobres que no tempo do Apartheid e os projectos públicos implementados foram abandonados a meio por falta de recursos.
O próprio Wall Street Journal afirmou que «o Sr. Mandela tem, nos últimos dias, ficado mais parecido com Margaret Thatcher e menos com o socialista revolucionário que em tempos se pensou que ele era», após este ter afirmado na sua primeira entrevista como presidente que «não há um único lema que nos ligue a qualquer ideologia marxista». Vê-se.
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1 comentário:
Quando o capitalismo nos sorri mostra-nos os dentes!
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