sábado, 12 de dezembro de 2009

uma «regeneração» liberal? (2)


O Estado é uma questão central na perspectiva ideológica dos liberais. Ainda que não aplicando e até desconhecendo o carácter de classe que ele representa, o que mais lhes aflige é o tamanho que ele assume na economia, que é no seu ver, espaço máximo de desenvolvimento da sociedade e do indíviduo.

«Menos Estado, melhor Estado», «Estado pequeno e forte» e «Estado menos interventivo e mais regulador» são as directrizes clichés que assomam importância no discurso liberal. O Estado liberal é, na soma de todas estas qualidades e desejos liberais, um Estado sem peso no aparelho produtivo, com a menor gama possível de serviços públicos, com a excepção da Justiça, que à boa maneira anglo-americana, deve assegurar constitucionalmente uma terra de "pessoas livres e iguais", sem se importar que a realidade desfaça em cacos essa premissa.

As duas fases de conquista das políticas liberais na Europa Ocidental passaram pela venda ao desbarato do sector empresarial do Estado que garantia as receitas para a manutenção e melhoramento dos serviços públicos. Desfez-se o aparelho produtivo estatal com a lenga-lenga da melhor produtividade e eficiência do sector privado, que por esta hora já deve ter despedido os empregados e deslocalizado para um local onde possa pagar dez vezes menos aos trabalhadores, mesmo à custa da tão sacralizada produtividade.

Portugal está na fase terminal da implementação das políticas liberais, pouco resta do Estado produtivo com a excepção de algumas participações em acções, golden shares e sectores residuais que ainda garantem algum encaixe. A entrada na União Europeia e as constantes advertências dada por esta, juntamente com o FMI e os "estudos" da OCDE garantem a sobrevivência e até expansão de aficionados da ideologia liberal, especialmente entre aqueles que partilham a velha tradição nacional de idolatrar tudo o que vem lá de fora.

A segunda fase de implementação das políticas liberais passa pelo extermínio do Estado Social e dos direitos dos trabalhadores, que no vocabulário liberal passa a ser "rigidez laboral". A dívida que as ajudas sociais e os serviços públicos criam é alimentada pela receita dos impostos. Recorrendo nesta fase ao discurso de que os impostos tornam a economia "perra", impedindo a "criação de riqueza" e gerando na sociedade uma cultura de "subsídio-dependência", querendo substituí-la por uma cultura de "caridadezinha", com a ajuda das empresas e da Igreja, virtuosamente apelidadas de "sociedade civil".

Se quiserem ver o que é um país após esta segunda fase olhem para os EUA. Com uma pobreza real fixada nos 80 milhões de pessoas, os fundos que o (neo)liberalismo cortou numa fase inicial para o Estado Social foram reutilizados para providenciar receitas para as forças de autoridade que enfrentam uma delinquência e criminalidade nascidas das políticas de pobreza de Reagan. Clinton, para além da propaganda de uma certa esquerda, andou dois mandatos a cortar a eito nas ajudas sociais.

O sociólogo Loic Wacquant já afirmou que as políticas liberais visam a transformação do Estado Social em Estado Penal, dando benesses fiscais e subsídios às empresas e "porrada" aos trabalhadores. É no final a tomada do aparelho do Estado pela Burguesia, assumindo todas as características e padrões de acção naturais a esta classe exploradora.

No plano das políticas, uma regeneração liberal do regime passaria por essa transição, que seriam certamente apoiadas pelas instituições internacionais em que Portugal está inserido com destaque para a UE, mas que seriam refutadas em larga escala pela população, daí que só algo parecido com as terapias de choque, como as que se acometeram nos países do antigo bloco de leste nos primeiros anos sem socialismo, dariam a estabilidade necessária para que as "reformas inadiáveis" fossem implementadas na íntegra.

1 comentário:

filipe disse...

Igualmente muito útil, esta parte 2) da tua reflexão.
A situação em Portugal não poderia deixar de espelhar a situação mais geral: após uma fase inicial, no deflagrar da crise, de forte sobressalto e desarticulação, as forças do neoliberalismo global voltam a intensificar medidas económicas, financeiras e políticas, visando reconstituir o sistema abalado e fazê-lo progredir, com base na elevação da repressão política, da liquidação das liberdades que restam, retomando o projecto de um governo neo-fascista transnacional.
Como fizeste, devemos intensificar o desmascaramento destes objectivos do imperialismo, na sua actual etapa, ainda mais exploradora e mais opressora.
Abraço.