quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O que o «outro» legitima

A principal contribuição do 11 de Setembro para a consciência colectiva da população ocidental é o ter dado uma identidade física e cultural ao «terrorista».

O «terrorista» é um conceito que surge da acção, de uma prática, aterrorizar, e o que vem sendo repetido desde os ataques ao 11 de Setembro é a conotação dessa acção a um «outro», cuja diferença do «nós» padronizado faz-se a nível cultural, local de origem e até no físico.

A comunicação social fez-nos ver um possível Bin Laden em cada árabe. O facto de se realçar o «outro» como «diferente» de «nós» legitimou todas as acções levadas a cabo para atacar a «ameaça». Aquilo que reconhecemos como sendo completamente oposto ao nosso sistema de valores e direitos, de repente, passa a ser legítimo quando aplicado ao «outro».

Se como colectivo social, ficássemos a saber que corremos o risco de ser perseguidos, encarcerados e torturados pelo exército ou por uma qualquer força de autoridade, não demoraria até que as ruas se enchessem de protestos, os governos caíssem e os perpetradores destes actos conhecessem a justiça popular.

É porque ideologizamos os árabes como o nosso «oposto» que aceitamos e incentivamos a prática destas políticas. Como «eles» não são como «nós» e «eles» aterrorizam enquanto «nós» somos aterrorizados, é natural que assim aconteça. O ataque aos direitos pessoais e colectivos só lhes afecta a «eles», a «nós» isso nunca se sucederá.

Desumanizando e demonizando um grupo e ideologizando-o como o «outro», com o qual nos relacionamos de forma maniqueísta, estandardizamos a leitura de todos os eventos que possam estar relacionados com cada um destes actores ou temas. Mesmo que nos afecte, como o constante avanço da vigilância electrónica, aceitamos, por estar legitimado sob a narrativa do «combate ao terrorismo».

Na França, vai-se legislar sobre a proibição do uso da burqa integral em espaços públicos, violentando um princípio de liberdade pessoal tão básico como o que um indivíduo pode vestir ou não.

Sabe-se que se esta lei atenta contra um direito individual, mas como afecta mais a «eles» que a «nós», achamos natural. Está de acordo com o espírito do tempo. Mesmo que a proibição seja em solo europeu, em cidadãos europeus.

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