sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Howard Zinn (1922-2010)

Howard Zinn, historiador progressista estado-unidense, autor do livro «A people's history of United States» e «Marx in Soho», faleceu hoje.


quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Revisão do livro: «A Crise do Islão»

«A Crise do Islão» de Bernard Lewis é um livro que toma uma visão claramente pró-ocidental do Islão e do historial de problemas políticos do mundo árabe.

Na Europa existem muitas nações e a mesma religião (cristianismo), no Médio Oriente existe uma religião (Islão) e várias nações. Este é o raciocínio base que o autor nos oferece para percebermos os jogos geopolíticos da região.

Com a queda do Império Romano, o Médio Oriente tornou-se um espaço vazio de civilização até que no século VII Maomé iniciou a caminhada do Islão como farol ideológico da região. A Arábia Saudita foi o primeiro país declaradamente islâmico (conquistado e convertido pelo próprio Maomé) e desde então, a implementação do Islamismo pelo Médio Oriente levou à necessidade de criar um aparato político supra-nacional, com ligação directa aos termos do Islão e à partilha colectiva desta condição dos vários países. Até à queda do Império Turco-Otomano, havia um califa, um chefe supremo de todos os líderes islâmicos, personificado na soberania do imperador otomano.

A queda deste Império em 1918, com a sua derrota na 1ª Guerra Mundial, esvaziou de novo o Médio Oriente do aparato político criado e tornou o Islão uma religião/ideologia "descristalizada" de poder político, permanecendo nas mesquitas, madrassas e círculos intelectuais durante larga parte do século XX, onde repousou e se actualizou, mostrando hoje em diversas facções políticas, o wahabbismo que o caracteriza.

Mas até o Islão se tornar de novo uma força dominante, um novo factor ideológico redefiniu o Médio Oriente a nível político.

A divisão do antigo território Turco-Otomano em duas áreas administradas pela Inglaterra e França introduziu o Estado-nação, um conceito europeu, na discurso e prática política do mundo árabe. Numa perspectiva dialéctiva, foi esta intervenção europeia que originou os movimentos seculares de esquerda marxista que mais tarde iniciaram e lideraram os processos de descolonização no Médio Oriente.

Apesar do secularismo que o caracterizara, a imagem-mito do Califa, como líder da população islâmica permaneceu, desta vez com a consagração de Nasser, figura que quis edificar o socialismo pan-árabe no Egipto e na Síria. Também Kadhafi e até Saddam assumiram em certa altura o papel de figura providencial e salvífica do Médio Oriente.

Para compreender a complexidade da relação do movimento secular árabe com a sociedade islâmica onde se inserem, preste-se atenção à participação do Partido Comunista Libanês num festival de homenagem a Saddam Hussein, que entre muitos outros crimes, massacrou comunistas iraquianos.

Bernard Lewis afirma que o falhanço de implementação dos dois modelos políticos dominantes na Guerra Fria foi um dos factores fulcrais para o ressurgimento do islamismo, sem que tenha desenvolvido de forma satisfatória as intervenções estado-unidenses no Médio Oriente e realçando em demasia as da União Soviética, adjectivando-as de imediato num tom negativo.

Um dos aspectos positivos do livro é que se percebe facilmente onde está o facto e a opinião do autor e a forma como a sua tendência ideológica determina a importância dada a certas processos históricos.

O livro termina com uma "mensagem de esperança" do autor, que a invasão militar do Afeganistão e do Iraque possa ser um novo começo para a região, tendo por modelo a democracia liberal capitalista, dominante no Ocidente. Escaapa a Bernard Lewis que o presente de colonização económica dos recursos e mão-de-obra do Médio-Oriente impossibilita a «construção de nações», seja em que modelo for.

O livro falha também em explicar as raízes do crescimento do Islamismo e a sua posição na região como um movimento político de resistência ao Imperialismo, impedindo a construção por via externa de um Estado-nação, quando este próprio está em crise no Ocidente.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O que o «outro» legitima

A principal contribuição do 11 de Setembro para a consciência colectiva da população ocidental é o ter dado uma identidade física e cultural ao «terrorista».

O «terrorista» é um conceito que surge da acção, de uma prática, aterrorizar, e o que vem sendo repetido desde os ataques ao 11 de Setembro é a conotação dessa acção a um «outro», cuja diferença do «nós» padronizado faz-se a nível cultural, local de origem e até no físico.

A comunicação social fez-nos ver um possível Bin Laden em cada árabe. O facto de se realçar o «outro» como «diferente» de «nós» legitimou todas as acções levadas a cabo para atacar a «ameaça». Aquilo que reconhecemos como sendo completamente oposto ao nosso sistema de valores e direitos, de repente, passa a ser legítimo quando aplicado ao «outro».

Se como colectivo social, ficássemos a saber que corremos o risco de ser perseguidos, encarcerados e torturados pelo exército ou por uma qualquer força de autoridade, não demoraria até que as ruas se enchessem de protestos, os governos caíssem e os perpetradores destes actos conhecessem a justiça popular.

É porque ideologizamos os árabes como o nosso «oposto» que aceitamos e incentivamos a prática destas políticas. Como «eles» não são como «nós» e «eles» aterrorizam enquanto «nós» somos aterrorizados, é natural que assim aconteça. O ataque aos direitos pessoais e colectivos só lhes afecta a «eles», a «nós» isso nunca se sucederá.

Desumanizando e demonizando um grupo e ideologizando-o como o «outro», com o qual nos relacionamos de forma maniqueísta, estandardizamos a leitura de todos os eventos que possam estar relacionados com cada um destes actores ou temas. Mesmo que nos afecte, como o constante avanço da vigilância electrónica, aceitamos, por estar legitimado sob a narrativa do «combate ao terrorismo».

Na França, vai-se legislar sobre a proibição do uso da burqa integral em espaços públicos, violentando um princípio de liberdade pessoal tão básico como o que um indivíduo pode vestir ou não.

Sabe-se que se esta lei atenta contra um direito individual, mas como afecta mais a «eles» que a «nós», achamos natural. Está de acordo com o espírito do tempo. Mesmo que a proibição seja em solo europeu, em cidadãos europeus.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Da pátria da "Democracia"...

Os Estados Unidos da América é uma nação tão democrática que até o dinheiro tem vontade política. Quê? Bem, deixem-me explicar-vos, no último dia 23 o Supremo Tribunal estado-unidense levantou as restrições à quantidade de dinheiro que as empresas podem gastar em campanhas políticas.

A maior alteração das leis eleitorais nos EUA em meio século, justificou-se com a «liberdade de expressão», consequentemente o líder da bancada republicana na Câmara dos Representantes reclamou «uma vitória dos princípios constitucionais» e causou consternação a Obama. Um inquérito feito, mostra que 77% dos homens de negócios não acha que o actual presidente é suficientemente adepto da «livre empresa».

O poder do dinheiro na "democracia" estado-unidense pôde ver-se de igual modo com o aumento de dinheiro gasto pelo sector bancário para fazer lobby aos representantes políticos dos EUA. Os «oito maiores bancos» gastaram 18 milhões de dólares em 2009 para «influenciar decisões políticas», especialmente as ligadas às que limitavam e fiscalizavam «as instituições financeiras».

Luís Cabral, economista português sediado nos EUA, afirma que nos últimos anos se tem assistido à «captura do poder político pelo sistema financeiro».

O Estado Burguês em todo o seu esplendor.

Apontamentos sobre o Haiti


O terramoto que se abateu sobre o Haiti tornou trágica a situação de um país miserável, o mais pobre do hemisfério norte.

O que se seguiu já faz parte do folclore dos cataclismos naturais, mediatização frenética, a adopção de linguagem apocalíptica, todo um desfile de doações e actos de caridade, desde as celebridades até ao comum cidadão.

Até agora o facto mais controverso tem sido o envio de 15 mil militares estado-unidenses para "garantir a tranquilidade" em Port-au-Prince. As fontes são dissonantes. Se há quem diga que desastre natural estalou a anarquia na capital haitiana e que os seus naturais estão à espera da vinda salvífica das forças armadas dos EUA, há também quem garanta que não há problemas de segurança e que a "ajuda" estado-unidense é em demasia.

No meu ver, compreendendo a necessidade do reforço da autoridade em tempos em que o Estado nacional do Haiti simplesmente deixou de desaparecer, não deixo de acreditar que este envio de militares está intimamente ligado com o pedido de George W. Bush para que os seus concidadãos não façam doação de bens essenciais, mas de "dinheiro", assegurando o ex-presidente que eles «cuidariam» dele.

Aquando do Tsunami no Sudeste Asiático, o governo do Sri Lanka aproveitou o estado de choque geral da população para implementar um «impopular» programa de privatizações, rejeitado em referendo pela população oito meses antes do tsunami, que incluia a entrega a privados da água e da electricidade. Assistiu-se de igual modo à privatização de praias na Tailândia.

Será que voltaremos a ver o mesmo modos operandi no Haiti?

Politicamente, o Haiti sempre foi um colonato dos EUA, "Papa Doc" Duvalier, um feroz ditador anti-comunista e o seu filho, dispuseram o país à burguesia americana e à oligarquia local. Das últimas vezes que os EUA meteram o bedelho no Haiti foi com Duvalier filho, um programa de reestruturação da economia, orientada para a indústria de exportação e transporte de excedentes agrícolas estado-unidenses para o Haiti, concentrou as populações nos grandes centros urbanos, onde passou a haver mais mão-de-obra do que emprego, e aniquilou a agricultura local. Escusado será dizer que esta reestruturação económica não resultou em nada e o Haiti continuou miserável.

O fim da ditadura levou à eleição de Jean-Bertrand Aristide, que quis formar uma economia baseada em parcerias público-privadas, que beneficiaram o povo haitiano, não deixando de lado os interesses privados. Até o reformista Aristide, Washington não conseguiu aguentar e depô-lo em 1991 e 2004.

Do regime saído do golpe de estado de 2004, seguiu-se a prisão de «milhares de organizadores comunitários, civis pobres e dissidentes políticos que os EUA/ONG» etiquetam como «gangsters». A proibição do partido maioritário no Haiti em participar nas eleições é outro "pormenor" da "democracia" pró-americana de René Preval.

René Preval, que não aceitou a ajuda militar da República Dominicana mas saltou de pulos com a estado-unidense, lidera um país que longe de ser pobre e sem recursos, tem reservas de ouro, irídio, cobre, urânio, diamantes, reservas de gás e até petróleo. Todos eles tomados por privados, de que se desconhecem os nomes.

Neste caso pode-se dizer que o ladrão não volta ao local do crime, mas repete os mesmos procedimentos. Vamos ver para que servem as "ajudas militares"...

Quando o Arrastão acerta...

«Por causa de conversas no Facebook a TAP resolveu enviar nove pilotos da empresa para um “curso de ética” sem que um processo disciplinar tivesse ainda tido lugar. O sindicato garante que os comentários destes funcionários “não constituíram a violação de qualquer dever laboral”.«Durante o último século tememos a omnipresença do Estado. Que vigiaria cada um dos nossos passos e trataria da nossa reeducação de cada vez que nos desviássemos do caminho certo. E boas razões tivemos para os nossos temores. As tiranias, muito dadas a eufemismos que escondam a banalidade da repressão, deram e dão e às seus prisões o bondoso nome de “campos de reeducação”.

No próximo século o Big Brother será outro. É na empresa que se decidem todos os pormenores das nossas vidas: as horas que nos restam para viver, se podemos ou não ter filhos, a roupa que vestimos, as opiniões que podemos ter. E também elas trataram dos seus eufemismos. Os trabalhadores são colaboradores. Um despedimento é uma dispensa de serviços. Vários despedimentos são uma reestruturação. Uma punição é um “curso de ética”. Em inglês soa melhor: “corporate crew resource management”, disse fonte oficial da TAP à Lusa. O 1984 e a sua novilíngua aí estão. Em 2010.»

- retirado do arrastao.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Graças a Deus...

A Microsoft anunciou que "só" armazenará por seis meses as procuras feitas no seu motor de busca, Bing.

O Google por exemplo, "só" nos guarda as buscas por 18 meses e empresta-nos sem permissão os cookies.

Uns simpáticos...

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Na Moldávia, fazem-se "tachos" por encomenda

Por norma, sou contra a "boca" que prolifera na sociedade portuguesa de que "todos" os políticos são corruptos e querem é "tacho". Existem políticos corruptos e carreiristas, mas a generalização desta condição a todos os que tomam uma posição ideológica é corrosiva da democracia e só beneficia os grandes interesses, suportados intelectualmente pelos liberais.

Mas ao olhar o que está a acontecer na Moldávia, não me passa outra coisa pela cabeça senão a implementação de "tachos" a torto e a direito para as quatro forças políticas actualmente no poder, liberais.

O líder parlamentar e presidente em funções da Moldávia, Mihai Gimpu ordenou por decreto a formação de uma comissão composta por «politólogos, juristas, filósofos e historiadores», cujo objectivo é «avaliar» o regime comunista existente naquele país até à proclamação da independência em 1991.

Para perceber a natureza desta medida, ela fundamenta-se na condenação dos "totalitarismos" da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e poderá acabar na «proibição do nome e símbolos do partido comunista».

Aparte das condenações "democráticas" da Europa, está em curso a imposição de um clima de perseguição dos militantes e activistas do Partido Comunista da República da Moldávia e da União das Juventudes Comunistas. Registaram-se casos em que indivíduos ligados às forças políticas comunistas foram obrigados a apresentar-se nas esquadras policiais e identificarem-se. Houve até um jovem comunista que ficou isolado pela polícia e permaneceu incontactável durante doze horas.

A perseguição de activistas políticos, «características de um estado policial», não é criticada pela União Europeia e instituições "democráticas" afins, porque a coligação das direitas liberais na Moldávia está a utilizar o modus operandi dos países prestes a vender a sua classe trabalhadora por tuta e meia à burguesia internacional, o anti-comunismo.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Para quem governam


O congresso das Honduras decretou oficialmente a saída das Honduras da Alternativa Bolivariana para as Américas.

Argumentando a «ingerência ideológica e militar» da «aliança chavista», os "democráticos" donos das Honduras fizeram de Obama e da classe dominante estado-unidense actores políticos muito aliviados e prontos para seguir o modus operandi de décadas.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

As narrativas do paternalismo


O filme Avatar, cuja utilização da tecnologia 3D está prestes a catapultá-lo para a película mais rentável de sempre, tem provocado uma série de críticas, tanto positivas como negativas, nascidas de alguns pontos polémicos do enredo.

Desde salvador da indústria cinematográfica até «danças com lobos» sci-fi, o filme parece ter clicado no interruptor racial de alguns comentadores estado-unidenses, que nunca se cansam de falar deste instrumento muito grato do capitalismo, devido à sua capacidade de dividir trabalhadores pela cor da pele.

David Brooks, colunista do New York Times, apelida Avatar de «fantasia racial por excelência», por basear-se «na assumpção de que os povos não-brancos precisam de um Messias Branco para os guiar nas suas cruzadas».

Este paternalismo (o do colunista) assemelha-se ao de alguns intelectuais pequeno-burgueses que abrem a boca de espanto com o regresso do nomadismo ao Tajiquistão, antiga república soviética.

Pelas palavras de Timurbek, filologista russo que ficou por este país depois da queda da URSS, a "independência" significou o fim das «quintas estatais, canais de irrigação, redes de transportes e centrais de energia». O retrocesso civilizacional tornou o «nomadismo» uma «necessidade», enquanto que anteriormente era uma «opção».

Uma dessas pessoas é Aziz, um agricultor semi-nómada que nos conta que «Sob as Sovietes, tínhamos todo o tipo de de comida nas lojas, combustível barato, autocarros e estradas em bom estado». Não era permitido praticar «religião livremente, mas havia comida e trabalho».

O Tajiquistão, embora fosse a república mais pobre da URSS, com a queda da pátria socialista tornou-se uma das nações mais pobres do mundo, onde as antigas escolas e hospitais soviéticos foram abandonados por a electricidade não chegar a esta nação das estepes asiáticas, nem sequer no Inverno. O combustível, a escassez de comida e outros sinais de terceira-mundização extrema são o relato de um Tajiquistão "independente" e sob a batuta do Mercado Livre.

O tajique conclui que «toda a gente sente falta da União Soviética».

Em nota de conclusão, vejam o filme e analisem-no para lá dos irritantes paternalismos burgueses.

revisão do livro: «A Origem das Crises Financeiras»


Li de jacto «A Origem das Crises Financeiras» do George Cooper, um analista financeiro e andarilho experiente nos jogos da especulação bolsista.

A análise de George Cooper à actual crise financeira e à economia em geral é interessante embora se baseie numa concepção burguesa da economia. Admito que fiquei com o olho neste livro ao ler a contra-capa, «as crises se vão repetir com cada vez mais frequência».

Desde as primeiras páginas até às finais o autor desmantela os fundamentos da «Hipótese do Mercado Eficiente", que afirma a tendência natural dos mercados para atingirem um «equilíbrio óptimo» através do mecanismo da oferta e da procura.

Aponta os exemplos como o petróleo, no qual é a oferta que estimula a procura e não o contrário. O mercado dos bens de luxo, onde os preços elevados são uma mais-valia do produto e não um desincentivo (coisas de ricaços). A "Hipótese do Mercado Eficiente" também prevê que os agentes envolvidos nas actividades financeiras desconheçam os dados relativos a uma futura mudança de preços dos activos, o que não acontece devido à investigação e registo dos comportamentos do activo ao longo dos tempos. Esta realidade comprova de igual modo a existência uma «memória do mercado», proposta pelo matemático Mandelbrot, que vai contra outro postulado da "Hipótese do Mercado Eficiente", a de que os agentes financeiros actuam perante cada situação tendo em conta apenas as condições relativas a essa situação.

O autor refere que a predominância do pensamento da «Hipótese do Mercado Eficiente» desde Reagan e mais acentuadamente nos anos 90 levou a uma expansão insustentável do crédito que só agora começámos a pagar a factura. A actual crise começou uma «contracção do crédito», «auto-sustentada» pela especulação bolsista e acção dos bancos.

George Cooper, como bom burguês que é, nem sequer menciona a perda do poder de compra dos trabalhadores e que o crescimento do crédito originou-se nesta crescente precarização (tal como a sua insustentabilidade).

Como "alternativa" à "Hipótese do Mercado Eficiente" Cooper dá-nos Keynes, com o qual fundamenta a necessidade de um Banco Central para fazer «gestão de procura» e Hymski, que propõe uma «Hipótese da Instabilidade Financeira», que supõe a tendência natural dos mercados financeiros para entrarem num colapso «auto-sustentado».

A política que Cooper estabelece para o Banco Central é de resfriar o recurso ao crédito quando este está em expansão e fazer o contrário em períodos de crise. A utilização de um princípio de engenharia de Maxwell sobre «reguladores» de maquinaria como metáfora para o comportamento dos bancos centrais é um pormenor interessante. Porém, a acumulação de riqueza numa elite económica não parece incomodar a lógica reformista do autor.

Ainda que Cooper defenda a tese de Keynes de que o investimento público é sempre uma boa maneira de estimular a economia, repara bem que o aumento do «stock de dívida» numa economia só resultará numa crise ainda mais aguda num futuro próximo. A reflexão do autor sobre o problema da dívida é acutilante e vai direito ao cerne do questão.

«À medida que cada tentativa de contracção de crédito é sucessivamente contrariada, através de estímulos engenhosos, a economia é arrastada para um estado de progressivo endividamento, o que apresente o risco de uma contracção futura ainda mais violenta.»

Ao livro de George Cooper faltou mesmo estudar o impacto da descida de poder de compra dos salários da classe trabalhadora, mas pode ser que a próxima crise o faça abrir os olhos um pouco mais.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Relatos de uma «geração perdida»



Saiu hoje no Público uma reportagem sobre a vida precária da juventude portuguesa. Pela experiência de quatro jovens, ficamos a conhecer relatos de quem apostou na formação e entrou no mercado de trabalho apenas para encontrar sub-empregos onde são explorados e mal ganham para subsistir.

«"Sempre fui boa aluna e nunca chumbei", contou ao PÚBLICO, em jeito de justificação, antes de deixar cair que "por acto de desespero e porque não aguentava mais estar deprimida em casa" está a fazer formação para trabalhar num call center. Nunca imaginou. Dos bastidores dos espectáculos passou para a fidelização de clientes numa empresa de telecomunicações.» - Inês, licenciada em Teatro na Escola Superior de Teatro e Cinema.

«Ana não é o seu verdadeiro nome. É o nome de quem já está "escaldado" e que não pode dar a cara. Se o fizesse, acredita que perderia o emprego precário que lhe permite pensar apenas "mês a mês". E isso não pode acontecer outra vez. Há três anos foi mãe. Estava - uma vez mais - a trabalhar a recibos. Quando teve o bebé nunca mais voltou. A empresa não a readmitiu e ficou sem ordenado. E, com uma filha nos braços, levou tempo a encontrar um novo local compatível com as necessidades de uma jovem mãe.»
- Ana, licenciada em Arquitectura na Lusíada e em Arquitectura de anteriores pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa.

«Vasco assegura que mesmo ter uma bolsa para investigar já é "difícil", pois estão a ser dadas a pessoas que estão a trabalhar como técnicas em laboratórios e que desempenham funções permanentes em nada relacionadas com experiências. Muitos dos seus colegas desistiram ou criaram empresas e até houve um que abriu um consultório de massagem chinesa. Mas Vasco continua a acreditar que "a formação nunca é demais", apesar de haver "autismo por parte das empresas". Para lutar contra esta situação, faz parte da direcção da Associação de Bolseiros de Investigação Científica, que pretende dar mais direitos a quem tem "todos os deveres e é muito qualificado".» - Vasco, licenciado em Biologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Mestre em contaminação de organismos marinhos com metais pesados e a tirar o Doutoramento em Toxicologia de Mercúrio.

«João Mota foi (temporariamente) salvo por uma grávida. Serão apenas uns meses a fazer paginação numa empresa enquanto a colega estiver de licença. Com 25 anos, o valor que recebe a recibos verdes não chega para conseguir sobreviver. "Desde que acabei o curso foi o melhor que me apareceu e vou tentar subir degrau a degrau até chegar ao patamar que mereço", conta enquanto caminha em passo apressado para o call center onde também trabalha à noite para conseguir pagar as contas todas.» - João, licenciado em em Design e Tecnologia das Artes Gráficas no Instituto Politécnico de Tomar.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Revolta contra a Máfia e novos bombardeamentos em Gaza

Já vão em 18 horas a rebelião de trabalhadores imigrantes em Rosarno, na Calabria, contra a máfia 'Ndrangheta que se aproveita da situação precária destes trabalhadores imigrados para lhes pagar 15 euros por 12 a 13 horas por dia nos campos agrícolas controlados por empresas ligadas ao grupo mafioso.

A falta de condições de vida e os salários de miséria são uma constante no quotidiano dos trabalhadores imigrantes, porém a revolta só eclodiu após dois imigrantes terem sido atingidos a tiro, estando de momento a recuperar no hospital.

A revolta proletária que se está a desenrolar em Rosarno já aconteceu há dois anos em Castelvolturno na Campania, quando grupos de trabalhadores imigrantes enfrentaram a Camorra, que assassinou dois dos seus companheiros.

Estes protestos podiam ser aproveitados pelos trabalhadores nativos para expurgar o seu país da Máfia, da Burguesia e dos políticos capitalistas, mas a sanha racista incutida desde há muito pelo proto-ditador Berlusconi manietou de tal maneira as consciências do povo italiano que este reprime pelas próprias mãos as massas imigrantes.

Outra (má) notícia é a de terem voltado os bombardeamentos a Gaza por parte das forças aéreas israelitas.

Ainda que pelos olhos da imprensa, o Médio Oriente está sereno com excepção da turbulência política iraniana, já há alguns dias uma Marcha pela Liberdade de Gaza começada no Egipto tenha quebrado o cerco desta região palestiniana, apesar da violência com que foram recebidos pelos polícias egípcios na fronteira.

Não é pensamento único, é liberdade de consenso.

A Russia Today, um canal de informação russo, lançou uma campanha publicitária no qual realçava o carácter duplo e dúbio do senso comum, tomado como verdadeiro e assumido como facto. Questionar o terrorismo, a dissidência civil e as ameaças valeu à RT a proibição dos seu spots publicitários nos aeroportos estado-unidenses. Numa nota de conclusão antes de colocar as imagens publicitárias em si, é de reparar que a Russia Today está longe de ser um órgão de informação marxista ou alternativo, bastando ler a sua versão da história da Rússia soviética.

A ala política "lucílio batista"


É sempre interessante ouvir a direita clamar por referendos aos assuntos que tocam apenas o domínio privado dos indivíduos e depois sacar da legitimidade institucional para aprovar no Parlamento pacotes de leis constitucionais, instaurar sistemas de vigilância no espaço público e a entrega da economia nas mãos de uns poucos.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

As trompetas de guerra do Império: um concerto mundial


A notícia de que as embaixadas dos EUA, Alemanha, Espanha França e do Reino Unido foram fechadas no Iémen devido à ameaça de um iminente ataque terrorista surge nos media como a confirmação deste país como um novo "foco de terrorismo" e a atitude ocidental cumpriu o papel de empolar uma situação já de si dúbia.

No entanto, longe das teias da Al-Qaeda, o ataque perpetrado pelo governo iémenita à povoação de Al Maadja veio a atingir partidários do «Movimento ao Sul», que apoiam o regresso da antiga República Popular Democrática do Iémen, socialista e laica, desaparecida em 1990 com a reunificação com a República Árabe do Iémen.

Esta antiga pátria socialista no Médio Oriente era conhecida como Iémen do Sul, foi fundada em 1967 como República Popular do Iémen do Sul e depois em 1969 acabou por ganhar a denominação de RDP do Iémen, após a implementação de um Estado proletário e iniciação da construção do socialismo pelo Partido Comunista, que veio a construir boa relações com o Iémen do Norte, a União Soviética, Cuba e China.

A unificação sempre foi um desejo dos dois Iémen, mas o governo central de Sana, parece não aceitar que a memória do socialismo iemenita faça a classe trabalhadora deste país desejar uma ruptura com o actual estado do país, que é o mais pobre do Médio Oriente, apesar de ser um importante local de desembarque e partida do petróleo desta região para o resto do mundo.

Retomando, o ataque a Al Maadja causou a morte a 23 crianças, 17 mulheres e 27 homens civis, correspondendo deste modo ao desejo de sangue da burguesia estado-unidense e iemenita, esmagando todo o tipo de resistência ao capitalismo.

A "ameaça terrorista" também se expande pelos países da África Ocidental. Diz a imprensa burguesa que o Mali, Níger e Chad, países «semi-falidos e paupérrimos, cujos governos não controlam parte dos seus imensos territórios», se estão a tornar em novos epicentros do "fundamentalismo islâmico". Os relatos de raptos e pedidos de resgate vindos desta região fundamentam esta perspectiva e quase se poderá questionar até quando é que os EUA se vão refriar de dar fundos aos governos destes países para combater o seu próprio povo.

Mas não é só o Médio Oriente a única região sob o olhar agressivo do Império. Nas Filipinas, foi reportada a intimidação de povoações na ilha de Mindanau, nas províncias Davan, Valencia e Malaybalay por efectivos do exército estado-unidense para combater a guerrilha comunista, Novo Exército Popular, que já guerreou ao lado das forças armadas do governo marioneta na comarca de Bukidnon.

domingo, 3 de janeiro de 2010

O «beautiful country»


A juventude portuguesa engrossa e compõe maioritariamente os «novos pobres», frequenta licenciaturas que têm garantia de desemprego ou sub-emprego, vê desfeita perante os seus olhos a oportunidades de terem condições de vida razoáveis e vê-se obrigada a ficar em casa dos pais ou a estar economicamente dependente deles até aos trinta anos, à conta dos salários de quinhentos euros e da precariedade crescentes no emprego. E isto quando há emprego.

Mas na televisão nacional, a juventude portuguesa despe-se de misérias e cobre-se de glamour. Despem-se das contas bancárias a zero e vestem-se de gente bem vestida e maquilhada nos Ídolos, apagando o teatro de miséria lá fora com a promessa do estrelato musical promovido na TV. Despem-se dos empregos nos call-centers da Vodafone e da TV Cabo, nas caixas dos supermercados e nas lojas do centro comercial para cantar, aplaudir e assistir ao nacionalismo pop dos programas de horário nobre da RTP, com a Bárbara Guimarães a cantar que «já foi um conquistador» enquanto apresenta a nova remessa de fadistas da nova geração. Despem-se da carestia de vida generalizada e falta de esperança que esta melhore para se vestirem da burguesia empresarial e beau-vivant da novelas da TVI, que habita em vivendas e é servida por empregadas, sempre burrinhas e ruralizadas.

A televisão, assumindo-se como instituição-mor do garante da sociedade democrática, apaga a agrura do país, feia e inconveniente e através do entretenimento substitui-a por uma imagem jovem, bonita e ilusória. E aí é que se encontra o seu calcanhar de Aquiles. Ilusória.