terça-feira, 30 de setembro de 2008


«Como criar uma relação duradoura com os consumidores
As empresas despendem cada vez mais tempo a tentar fidelizar os clientes. A evolução da relação cliente/marca tem vindo a ser associada à analogia: sedução, namoro e casamento. De uma forma geral, a ideia é captar primeiro uma parte dos negócios do cliente (sedução), depois tornar-se na marca preferida (namoro) e, por último, converter-se na única marca (casamento). Uma aproximação que se baseia em proporcionar experiências e tocar nas emoções dos consumidores. À semelhança do que acontece no casamento, as emoções estão perigosamente próximas do contexto das relações empresariais. Existe uma grande dimensão emocional que revolve à volta do conceito de confiança. Mas o consumidor também gosta de ter opções para explorar e mudar, se necessário. São nestes negócios casuais que os marketeers podem ganhar ou fidelizar potenciais clientes
Por: Maria João Vieira Pinto , Jan Hofmeyr e Larry A. Crosby»
-in Marketeer, edição de Setembro de 2008


A publicidade, qual propaganda da era contemporânea, é um dos pilares do capitalismo moderno e fonte principal da sociedade consumista, manipulando os comportamentos sociais de modo a criar padrões de aceitação entre individuos através dos produtos que um consome e ostenta.

Devido à produção constante destes mesmos produtos, deixar que a sociedade aproveitasse a total durabilidade destes seria condenar grande parte das indústrias já que os lucros ganhos num momento mais cedo ou mais tarde desapareceriam e a falência iria bater à porta no momento seguinte. Daí a necessidade de criar novas necessidades todos os instantes em que surgem novos produtos e a publicidade é a arma por excelência no estimular do comportamento consumista.


«É verdade que no vestir há um grau superior que na maior parte dos outros items de consumo, que as pessoas passam por consideráveis níveis de privação nos básicos necessários da vivência de modo a poderem adquirir uma quantia decente de consumo esbanjador; por isso não é uma ocorrência estranha, num clima inclemente, que as pessoas se tornem viciadas em roupa de modo a aparecerem bem vestidas.»
-Thorstein Veblen

O primeiro texto que citei (no topo do post) refere-se a um artigo da revista Marketeer, um magazine mensal cuja população-alvo de consumo são os profissionais de marketing e da publicidade e o artigo em questão fala de como tornar o comum do humano num consumidor inveterado, mas só a uma marca específica - num objecto de consumo específico.

O texto faz a analogia das relações marca-consumidor com as relações amorosas pessoais, procurando os peritos de publicidade elevar o consumo a um aspecto tão primal e libidinoso da nossa vida como a relação existente entre duas pessoas e caso o consumidor falhe na sua lealdade à marca, ao trocá-la por outra ou por pura abstinência de consumo, este sinta as consequências dessa liberdade ao nível do remorso.

Vincular emocionalmente o indíviduo ao consumo de uma marca é criar uma ligação abstracta e inútil à liberdade de pensamento e de acção do indíviduo, impondo-lhe comportamentos que não partem da sua iniciativa pessoal, senão da implantação duradoura dessas condutas através do bombardeamento publicitário que experimentamos desde que viemos ao mundo.

A concluir este post sobre consumo, liberdade e indivíduo deixo aqui um texto da autoria de José Vítor Malheiros, na edição do Público de 30/09/08, que fala precisamente deste tópico.

«Lavagem ao cérebro no banco de trás
Quando nos sentamos, o ecrã fica pertinho dos nossos olhos a dois palmos apenas. Mesmo quando não há ecrã, o campo visual à nossa frente já não oferece grande abertura, com os encostos de cabeça, o retrovisor, o taxímetro, o ecrã do GPS e os vários autocolantes no vidro, mas sempre é possível ir espreitando peo meio de tudo isso através do pára-brisas e ver as ruas por onde seguimos. Com o ecrã que está nas costas do encosto da cabeça do assento da frente torna-se impossível olhar em frente para outra coisa que não seja...o ecrã. O olhar é desviado sem apelo. A alternativa é torcer o pescoço e espreitar pela janela, mas o movimento colorido no ecrã, na margem do nosso campo visual, continua a atrair inevitavelmente o olhar. O resultado podem ser náuseas, quando se continua a tentar olhar para a janela, ou um estado de hipnoestrabismo, se se ceder à atracção do ecrã. E, em quaisquer dos casos, uma enorma irritação. Não nos esqueçamos que estamos a pagar ao ritmo do taxímetro pelo tempo que dura a lavagem ao cérebro.

O ecrã serve para mostrar publicidade e foi inventado por um génio do marketing - talvez mais do que um, uma ideia tão boa pode não ter sido concebida por um único génio - para tentar atingir aquele Santo Graal que consiste em ter todos os ciddãos do planeta a ser alvo de publicidade 24 horas por dia, sem intervalos para pensar ou agir autonomamente. Acontece que havia este slot totalmente desperdiçado: o tempo que as pessoas passam nos táxis, às vezes a olhar pela janela feitas parvas, por vezes a folhear o jornal, outras vezes sa falar com o taxista ou em ocupações igualmente improdutivas. E havia aqueles encostos de cabeça inúteis. O nosso génio lembrou-se de que era possível "acrescentar-lhes valor" com uns ecrãzinhos de televisão onde será possível exibir anúncios.

Os argumentos a favor são os habituais: a publicidade permite que o consumidor faça escolhas conscientes e informadas. Como a publicidade é excelente para as empresas e como o que é bom para as empresas é bom para todos nós, é evidente que estes ecrãs são bons para nós. E a prova final de que estes ecrãs são óptimos é que até são usados nos Estados Unidos.

É verdade que estes televisores têm o inconveniente de acrescentar mais um pouco de ruído ao ambiente já de si acusticamente agressivo dos táxis, onde ao barulho do trânsito se somam o rádio da central, a telefonia e o ocasional telefonema respondido aos berros, mas o que é isso ao pé do benefício civilizacional da publicidade?

Os ecrãs por enqunto ainda não têm anúncios e só "conteúdos" - curiosidades, informações turísticas -, mas um dia, se deus quiser, estarão cheios de anúncios. É só esperar que os anunciantes se dêem conta de como os ecrãs acrescentam valor aos encostos de cabeça e aos próprios táxis (e, por que não dizê-lo, aos próprios utentes dos táxis).

Como a desfaçatez dos gurus de marketing não tem limite quando espreita a possibilidade de ganhar um euro, não vale a pena esperar daí razoabilidade. E como a acção reguladora do Estado também não prima pela defesa dos cidadãos, o melhor será dar a mais este atentado à escassa liberdade que o quotidiano nos permite a resposta do mercado: não comprar.

Pelo meu lado, passarei a pedir ao telefone táxis sem TV e, se apanhar algum na rua, pedirei de imediato ao motorista para o desligar. Se todos fizessem assimm talvez os publicitários percebessem que não têm direito de nos roubar a calma, o direito a divagar, a reflectir, a não fazer nada, a andar na cidade sem mensagens comerciais a entrar-nos pela cara dentro e que o nosso tempo e o nosso olhar são nossos e não deles.»

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