sábado, 21 de março de 2009


Aqui vai um texto do José Soeiro sobre a neura que perpassa os governos e os órgãos que chefiam e estruturam o ensino superior para propagandear o empreendedorismo á juventude.

«Na Universidade de Salamanca, os dois jornais universitários gratuitos disponíveis nos corredores dão uma pequena ideia das discussões e do senso comum dominante nas escolas do ensino superior. Ambos os jornais fazem da questão do emprego a principal notícia na primeira página.

O "Tribuna Universitária" anuncia que o "salão de emprego vence a crise" e o "Gaceta Universitária" tem como título que ocupa toda a capa uma pergunta que pressupõe toda uma visão do mundo: "és empreendedor ou vais para funcionário?". Três páginas inteiras são dedicadas a explicar, em tons de alarme, as razões da crise que assola aquele país: "cada vez mais jovens aspiram a trabalhar para o Estado", "jovens preferem um salário para toda a vida", "o estudo da consultora People Matters mostra que um em cada três jovens aspira a trabalhar na Administração Pública", "86% dos jovens valoriza como prioritário, na hora de escolher um emprego, os trabalhos que ofereçam um salário fixo e a possibilidade de conjugar o âmbito profissional com a vida pessoal".

As razões da crise e do desemprego estão portanto explicadas: falta à juventude "empreendedorismo". Nada mais fácil: de acordo com este raciocínio, as opções económicas e os problemas sociais têm como principais responsáveis as suas próprias vítimas. É simples. Individualiza-se o problema e apresenta-se como um enorme obstáculo ao desenvolvimento essa ideia descarada que (imagine-se!...) anda na cabeça dos jovens: o quererem ter um salário fixo, o quererem ter tempo para viver, o quererem conciliar a vida profissional com a vida pessoal, o quererem ter emprego com direitos (que, no meio da selva do mercado, vão sendo menos violados no sector público do que no privado...).

Por cá, o Governo Sócrates foi mais esperto. Uma vez que os falsos recibos verdes que proliferam na Administração pública começaram a dar demasiado nas vistas, encontrou-se uma solução "empreendedora". Neste preciso momento, centenas de pessoas que trabalhavam para o Estado como falsos trabalhadores independentes (ou seja, tendo horário, chefia, enquadramento numa equipa, etc. mas passando recibo verde) estão a ser forçados a constituir-se como empresas, a maior parte das quais unipessoais. Ou seja, em vez de terem um contrato de trabalho, terão de constituir-se como empresas para, depois, celebrarem um contrato com o Estado para continuarem a fazer a mesma coisa no interior dos próprios serviços do Estado. Com esta fórmula mágica, faz-se desaparecer os "recibos verdes" e transferem-se todos os riscos e toda a protecção social para os próprios trabalhadores, ou seja, para estes homens e mulheres-empresa.

Assim, idealmente, deixa de haver trabalhadores (que, como se sabe, têm o inconveniente de gozarem de alguns direitos consagrados e, por vezes, associarem-se para lutar por eles...) e passa a haver apenas empresas que trabalham para empresas. No meio disto, o nosso governo prepara-se provavelmente para anunciar mais um recorde nacional: o maior número de empresas per capita da Europa.


José Soeiro

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