sábado, 17 de janeiro de 2009


«Centros Comerciais

Já experimentou dar um grito num centro comercial? Ou simplesmente, do alto da escada rolante, chamar alguém conhecudo que viu a passar no andar de baixo? Experimente. Não. Eu sei que não vai fazê-lo. Prefere usar o telemóvel. O que aconteceria se desse um grito? Ou se começasse a cantar? Ou a dançar, ou a tocar guitarra? Ou apenas a guitarra? Ou apenas a correr? Ou, pior ainda, se fizesse alguma destas coisas em conjunto, com um grupo de amigos? Não sabemos o que aconteceria, mas não temos vontade de experimentar. Ninguém tem.

Na rua, há sempre um maluco a fazer algo inesperado. No centro comercial, não. Já reparou que não há bêbados num centro comercial? Nem pedintes? Quantas vezes viu, num centro comercial, uma cigana romena a abordar os transeuntes, com um bebé ao colo? Quantas vezes, passou nas esquinas do shopping center, por um cego a tocar acordeão e a pedir moedas na cestinha que o caniche segura nos dentes? Ou doentes a expor as suas deformidades, toxicodependentes a pedir um euro para carregar as compras, prostitutas nas esquinas, ladrões por arrastão, artistas a vender aguarelas daquela esquina pitoresca entre a Zara e a Body Shop...Já viu algum homem-estátua no centro comercial? E um sem-abrigo? Ali, nem seria sem-abrigo...

As pessoas sentem-se bem nos centros comerciais. Dizem os especialistas que é porque têm lá tudo o que precisam, e ainda ar condicionado, estacionamento e segurança. Esta aproxima-se da perfeição. A julgar pelos resultados, é draconiana, para usar uma linguagem jornalística. E no entanto não se vê. Não há, no Colombo ou no NorteShopping, checkpoints policiais como nas ruas de Kinshasa ou Cartum.

Tenho uma amiga que montou uma empresa. O ramo é a consultadoria financeira. Anunciou os serviços na Internet e começou a angariar clientes. Mas vive nos subúrbios e, como não tinha dinheiro, não podia arrendar um espaço em Lisboa. Decidiu marcar encontros na área de restauração de um grande centro comercial. É o seu escritório. Compra um café e um bolo, senta-se com o seu laptop na sua mesa preferida, numa zona com serviço wi-fi, próximo de uma daquelas máquinas de carregar telemóveis, e passa ali o dia a trabalhar. Atende clientes, faz contactos, fecha negócios.

Ela é a prova de que, em breve, toda a nossa vida vai transferir-se para os centros comerciais. Há todas as razões para entrarmos lá e nenhuma para sair. Podemos encontrar tudo num centro comercial, excepto as coisas desagradáveis. É um mundo reconstruído a partir do nada. Nos melhores shoppings das cidades portuguesas até se pode ouvir o chilrear dos pássaros, ou outros sons da natureza, graças a gravações reproduzidas em altifalantes escondidos. Nos centros comerciais faz-se tudo, como se estivéssemos no mundo real, embora não seja o mundo real. É uma espécie de Second Life de última geração. Nas cidades europeias e americanas que conheço não há grandes centros comerciais

- Paulo Moura in Do Outro Mundo no Público. 16/01/09

Sem comentários: